Ioga da deidade

Uma miniatura mongol do século XVIII que mostra um monge gerando uma visualização tântrica.
Uma representação japonesa da Tríade de Amida em forma de Sílaba Semente (escrita siddham). Visualizar deidades na forma de sílabas sementes é uma meditação vajrayana comum. No Shingon, uma das práticas mais comuns é o Ajikan (阿字觀), meditando na sílaba A.

A prática fundamental do Vajrayana e do tantra tibetano é o ioga da deidade (devatayoga), meditação sobre uma deidade escolhida ou "divindade querida" (sânsc. Iṣṭa-devatā, Tib. yidam), que envolve a recitação de mantras, orações e visualização da deidade, a mandala associada do campo de Buda da deidade, juntamente com consortes e Budas e bodisatvas assistentes.[1] De acordo com o estudioso tibetano Tsongkhapa, o ioga da deidade é o que separa o Tantra da prática do Sutra.[2]

Nos Tantras Iogas Insuperáveis, a forma tântrica mais difundida no budismo indo-tibetano, este método é dividido em dois estágios, o estágio de geração (utpatti-krama) e o estágio de completude (nispanna-krama). No estágio de geração, a pessoa dissolve sua realidade na vacuidade e medita na mandala da deidade, resultando na identificação com essa realidade divina. No estágio de completude, a imagem divina junto com o corpo sutil é aplicada à realização da vacuidade luminosa.

O estudioso tântrico indiano Ratnākaraśānti (c. 1000 EC) descreve a prática de cultivo do estágio de geração assim:

[Toda aparência fenomênica tendo surgido como mente, esta mesma mente é [entendida como] produzida por um erro (bhrāntyā), isto é, a aparência de um objeto onde não há objeto a ser apreendido; averiguando que isso é como um sonho, para abandonar esse erro, todas as aparências de objetos que são azuis e amarelos e assim por diante são abandonadas ou destruídas (parihṛ-); então, a aparência do mundo (viśvapratibhāsa) que se verifica ser a própria pessoa (ātmaniścitta) é vista como o céu imaculado em um dia de outono ao meio-dia: sem aparência, pura luminosidade sem fim.[3]

Essa dissolução na vacuidade é seguida pela visualização da deidade e o ressurgimento do iogue como a deidade. Durante o processo de visualização da deidade, esta deve ser imaginada como não sólida ou tangível, como "vazia, mas aparente", com o caráter de uma miragem ou de um arco-íris. Essa visualização deve ser combinada com o "orgulho divino", que é "o pensamento de que alguém é a própria deidade que está sendo visualizada".[4] O orgulho divino é diferente do orgulho comum porque se baseia na compaixão pelos outros e na compreensão da vacuidade.[5]

Após o domínio do "estágio de geração", pratica-se o estágio de "perfeição" ou "completude". O comentarista indiano Buddhaguhya (c.700 EC), em seu comentário sobre o Mahavairocana Tantra, descreve as práticas do "estágio de perfeição" assim:

Primeiro você deve atualizar todos os quatro ramos da recitação por um tempo como antes, e então analisar a manifestação da cor criada (parikalpita), forma, e assim por diante, de sua deidade tutelar que é idêntica a você, quebrando-os em átomos. Ou também é aceitável fazer isso por meio do raciocínio que não é nascido e que não é surgido desde o início, ou similarmente por meio da técnica de atrair a energia vital (prana) através do ioga de voltar sua mente para dentro, ou pelo meio de não focar em sua aparência [como cor e forma]. De acordo com essa percepção, você deve então atualizar a mente que é apenas autoconsciente, livre da imagem corporal de sua deidade tutelar e sem aparência [como sujeito e objeto], e recitar mentalmente seu mantra vidya conforme apropriado.[6]

O tibetólogo David Germano descreve dois tipos principais de prática de completude: uma contemplação sem forma e sem imagens sobre a natureza vazia última da mente e vários iogas que fazem uso do corpo sutil para produzir sensações energéticas de beatitude e calor.[7]

Os sistemas de iogas do corpo sutil como os Seis Darmas de Naropa e os Seis Yogas de Kalachakra fazem uso de esquemas energéticos da psicofisiologia humana compostos de "canais de energia" (sânsc. nadi, tib. rtsa ), "ventos" ou correntes (sânsc. vayu, tib. rlung ), "gotas" ou partículas carregadas (sânsc. bindu, tib. thig le) e chacras ("rodas"). Essas energias sutis são vistas como "montarias" para a consciência, o componente físico da percepção. Elas são engajados por vários meios, como pranaiama (controle da respiração) para produzir experiências de beatitude que são então aplicadas à realização da realidade última.[8]

Outros métodos associados ao estágio de completude no budismo tibetano incluem o ioga dos sonhos (que se baseia em sonhos lúcidos), práticas associadas ao bardo (o estado intermediário entre a morte e o renascimento), a transferência de consciência (phowa), a identificação com a luminosidade da mente (ösel), o atingimento de um corpo ilusório puro (gyulü) e o chöd, em que o iogue oferece cerimonialmente seu corpo em uma visualização como sendo despedaçado, para ser comido por todos os seres (tanto deuses quanto demônios) em um banquete ritual simbólico.[9]

Segundo o 14º Dalai Lama, concentrar a visualização de uma deidade proporciona uma apreensão suprema da vacuidade, diferente da vacuidade dos fenômenos, pois esses últimos são transitórios, enquanto a manifestação da deidade continua como forma permanente na base da mente até a realização da Natureza de Buda:

"No geral, a vacuidade depende de um objeto ou fenômeno específico. Se o objeto é transitório ou adventício, então sua vacuidade, embora não condicionada, cessará de existir quando o objeto cessar. Em outras palavras, se o fenômeno cessa, sua natureza vazia também cessa. Portanto, um motivo pelo qual praticamos yoga da deidade e visualizamos a "forma permanente" de uma deidade é que, em nossa imaginação, a deidade continua e não perece. Assim, se tomarmos a forma pura de uma deidade como base e realizarmos sua natureza vazia, essa vacuidade se tornará o svabhavikakaya, o "corpo da essência natural" de um buda. De outro modo, se tomarmos algum fenômeno impuro como base para realizar a vacuidade, embora a vacuidade seja a mesma, o fenômeno não continuará até o estado de buda, tampouco a vacuidade."[10]

  1. Garson (2004), p. 37.
  2. Powers (2007), p. 271.
  3. Tomlinson (2018).
  4. Cozort (2005), p. 57.
  5. Powers (2007), p. 273.
  6. Gray (2007), pp. 72-73.
  7. Gray (2007).
  8. Garson (2004), p. 45.
  9. Halkias, Georgios T. (9 de setembro de 2021). «Buddhist Meditation in Tibet. Exoteric and Esoteric Orientations». In: Farias, Miguel; Brazier, David; Lalljee, Mansur. The Oxford Handbook of Meditation (em inglês). Oxford; Nova Iorque: Oxford University Press
  10. Lama, Dalai (4 de setembro de 2015). Mente em conforto e sossego: A visão da iluminação na grande perfeição. [S.l.]: Editora Gaia 

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